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sábado, 30 de junho de 2012

Conto: O Pintor


Conto: "O Pintor de Quadros"

Nos tempos da Renascença, onde florescia a arte, vivia na Rússia um jovem de origem modesta, que almejava ser pintor. O seu nome era Alexander.

Alexander era magro, de estatura média, pele quase cor de baunilha pálido, olhos amendoados e negros como os seus cabelos ondulados, usava bigode fino e pera.

Apesar de bonito e em idade casadoira, Alexander não arranjava pretendentes, pois interiormente era uma pessoa um pouco fechada e abrupta.
Alexander tinha um sonho: tornar-se um pintor famoso. Porém não tinha posses para frequentar uma academia, nem conhecimentos influentes para se tornar pupilo de algum mestre famoso. Os seus pais também reprovavam essas atividades e apesar do filho ser detentor de um dom nato não o incentivavam a pintar. Ao início Alexander pintava e desenhava às escondidas, mas após seus pais descobrirem, foi instado a abandonar os seus sonhos.

No presente momento, Alexander ficara órfão e como era filho único, sem família, conjecturou voltar a pintar. E como faria para arranjar dinheiro para os materiais? Cedo arquitectou uma forma. Foi vendendo o recheio da casa até quase a esvaziar. A seguir foi pondo mãos à obra, noite e dia, e produziu um quadro de natureza morta. Estava maravilhoso; Alexander admirou até altas horas e por fim adormeceu sonhando em ganhar um bom dinheiro com este.

No dia seguinte acordou bem cedo para ir para a feira levando a sua obra debaixo do braço. A feira estava apinhada, com banca de doces, tecidos, hortaliças, pratas, tamancos e uma profusão de pessoas.

Enquanto se dirigia ao local para vender o seu quadro, Alexander sentia fome e já sonhava deliciado com o deglutir de uma nêspera sumarenta e de um pão com queijo. Ao caminhar tropeçou em várias frutas e até ouviu uma peça de vidro fragmentar-se em mil pedaços "Estes mercadores se não têm cuidado só verão prejuízos no final do diz", pensou ele. Finalmente alguém lhe perguntou o que ele levava ali. Tratava-se de um casal de uma certa idade e de aspecto abastado. Talvez fosse algum meirinho.

-Este quadro retrata uma maravilhosa taça de cristal adornada de belos frutos - anunciou Alexander, virando a tela para o casal de meia-idade.

Os seus rostos ficaram sem expressão ao fitar aquela obra enquanto o jovem pintor ostentava um sorriso triunfante.
 À medida que o abastado cliente transfigurava a sua expressão curiosa numa de ira, o sorriso de Alexander desmaiava no seu rosto.

-Patife! –
 Vociferou o velho - Tomais-me por idiota?
Como ousas querer enganar-me!?

-Enganá-lo, senhor?
- O jovem artista estava perplexo
 – Se a minha tela não vos agrada...
- Foi interrompido pelos sorrisos e gargalhadas de sarcasmo de uns e os impropérios iracundos de outros.

Só então o pintor olhou para a sua tela e o que viu fê-lo empalidecer de espanto.
Nada havia ns mesma a não ser um fundo castanho-escuro que , ele tão primorosamente pintara.
 Mas...como era aquilo possível?

Alexander estava desnorteado, contudo teve de fugir lestamente para não ser atacado pela multidão.
Derrotado e esfomeado, chegou a casa sem compreender o sucedido.
 Pensou, pensou e por fim adormeceu angustiado, pois dormir já era meio sustento.
 Ao acordar de manhã uma interrogação tomou forma na sua mente:
A taça que se partira e as frutas pelas quais tropeçara na feira seriam as do quadro?

Assomou-lhe então uma ideia à cabeça e sem mais delongas, pôs-se a esboçar um quadro onde o tema era uma lauta refeição.
 Terminou-o, já noite alta e extenuado e enfraquecido adormeceu.

Acordou de manhãzinha com uma mesa farta e deliciosos aromas.
 Sim, mesa que ele nem sequer tinha mas que havia desenhado, adornada de uma vistosa toalha vermelha.
 Vitorioso Alexander atirou-se à bela refeição esfaimado.

A partir dali, ele passou a desenhar as suas refeições diárias e voltou a mobilar a sua casa. Tentou ser discreto com a vizinhança, fazendo-os acreditar que vendia os seus quadros numa vila longínqua.
Passaram-se longos meses.
O dom tomara a cabeça de Alexander.
Este afastara-se da aldeia e, entrando na floresta, havia desenhado um belo palacete com um luxuoso palacete.
Depois, criados, belas carruagens e cavalos, magnificas roupas.

Haviam-se passado três anos.
Apesar da criadagem, sentia-se só.
Lembrou-se então de desenhar uma mulher.



Três dias gastaram a desenhar, pintar e aprimorar uma bela mulher.
No final Alexander mirou o quadro satisfeito, sentindo-se um Deus, pois brevemente teria a sua Deusa nos seus braços.
 Aliás, passou o resto do dia admirando a sua obra e a bela mulher;
 até fez as suas refeições nos seus próprios aposentos para não desfitar os olhos da pintura. Bem sabia que no dia seguinte ela ganharia vida.

Tentou deitar cedo, mas custou-lhe a adormecer.
 Finalmente mal abriu os olhos, saltou da cama e e deparou-se com a formosa mulher.
Esta era de estatura média, delgada, de olhos claros esverdeados, cabelo escuro e ondulado, de beleza delicada mas selvagem; tão genuína era a sua essência que não parecia ter sido inventada por um pintor mas sim diretamente criada por fonte divina.



Alexander permaneceu de olhos esbugalhados a contemplar a linda mulher e imediatamente se viu apaixonado por ela.

A partir daquele dia o homem tornou-se um delicado companheiro da bela Nathalie, de seu nome;
Presenteava-a com os mais belos vestidos, tecidos, toucados, jóias e perfumes.
Brindava-a com finas iguarias, exóticas frutas, deliciosas sobremesas.
Conversava e passeava com ela à noite...
na realidade, Alexander monologava pois a mulher permanecia sem emitir qualquer som desde que surgira.

Mas o homem, louco de paixão, nem se parecia importar com isso.
Por ela pintou mais retratos, casas, jardins, o mundo...
Contudo a jovem permanecia calada e reservada, suspirando de vez em quando.

Alexander bem via que a sua paixão não era correspondida e que nada fazia feliz a sua Nathalie.
Isso também o deixava infeliz.
 Porém a paixão dominava-o e só o fazia teimar na sua conquista.
Febrilmente pintava presentes magníficos, manjares deliciosos, luxos ostensivos continuamente, mas nada disso trazia o amor de Nathalie…

Desesperado, um dia, interpelou a linda moça do que fazer para a conquistar.

Esta, por fim, respondeu-lhe em voz clara e límpida.

-Amarei aquele que tiver uma alma cristalina e um coração de ouro.

Esta resposta deixou Alexander confuso.
 Uma alma cristalina?
... Um coração de ouro?
... Como pintar isso?

Passou semanas erráticas e cismático, acabrunhado por não saber como pintar aquilo e torná-lo seu.

Até que um dia ouviu falar numa velha feiticeira que vivia na orla da floresta e resolveu visitá-la apresentando-lhe todo o seu caso.

Esta deu uma gargalhada e disse que a fama de Alexander precedia-o.
Pausadamente falou que tinha a solução para ele.
A três aldeias dali vivia um rapaz de coração de ouro e alma cristalina e que Alexander só precisava ir buscá-lo e assinar um pacto com ela, lacrado com o seu sangue.
Excitado mas ainda confuso, o pintor tartamudeou como iria reconhecer o rapaz e como iria conseguir transferir o que ele queria para ele mesmo.


A velha estendeu-lhe uma pulseira de diamante afirmando que esta brilharia intensamente mal ele se acercasse do rapaz e que à vista desta, o pobre rapaz perderia a reação dando espaço para o pintor lhe colocar a pulseira, fazendo segui-lo fielmente.

-Quanto ao resto, tudo acontecerá naturalmente – respondeu a velha misteriosamente e já atarefada com a elaboração escrita do pacto.

Alexander não imaginava o quão malogrado se tornava naquele momento.


Intrigado ele pôs-se a caminho.
Sentia-se, a um tempo, aliviado, esperançado e oprimido.
 Mas porquê oprimido?
 Nem ele próprio sabia explicar o que a sua voz interior lhe tentava avisar.


Chegado à aldeia, facilmente conseguiu capturar o maravilhoso rapaz e com ele rumou para o seu palácio.
O jovem, de coração de ouro e alma cristalina, possuía uma rara beleza.
 Pele diáfana, cabelos loiros de reflexos dourados, feições suaves e doces e os olhos eram castanhos, tão claros e límpidos que quase se assemelhavam a ouro em fusão.
Era alto, mas não corpulento.


Julgava Alexander que de alguma forma miraculosa os predicados do precioso rapaz passariam para si.
Sentia-se poderoso e regozijava-se interiormente com o desfecho.


Contudo o que o pintor não esperava era que Nathalie, quando esta se acercou do rapaz de coração de ouro e alma cristalina, encantara-se por ele.
Este parecia corresponder-lhe, tratando-a com simplicidade e dedicação.
A cada dia que passava, iam-se tornando mais unidos.


Ferido pelo ciúme e raiva, Alexander congeminava em separá-los e acabou por seguir um impulso desastroso.
Decidiu apunhalar vilmente o rapaz, para assim arrancar-lhe o coração e a alma e torna-los definitivamente seus.
Não podia suportar aquela afronta!


Um dia avistou-se com o rapaz nos jardins e puxou de uma adaga para tentar desferir um golpe cobarde e fatal.
 Nesse momento o céu escureceu, trovejou, o palácio desmoronou-se, os criados desapareceram e Nathalie tombou fulminada.
Ferido, o rapaz de ouro e alma cristalina bradou:


-Porque fez isso.
Acaso julgas que uma boa alma se compra ou se rouba?

Logo a seguir fez-se ouvir um riso estridente da feiticeira.


-Incauto!
Perdeste tudo e perdeste-te a ti.
E porquê?
Por um rabo de saia?
O amor é para os tolos. – E rindo a bandeiras despregadas, a voz desapareceu.


Aterrado, Alexander balbuciou:

-Mas disse que tudo aconteceria naturalmente.


Contudo foi o rapaz de coração de ouro e alma cristalina que lhe respondeu.

-Sim, e aconteceu.
Ao encontrar Nathalie despertei nela o sentido do amor verdadeiro.
 Nathalie foi criada por ti mas não tinha um coração para amar.
No entanto ela é uma parte de ti mas ao encontrar-me aconteceria a fusão com a alma cristalina e o coração de ouro.
Agora que atentaste contra a vida o poder de criar já não é mais teu.
 – E dito isto o rapaz afastou-se, partindo para a floresta.


Alvoraçado e incrédulo, Alexander procurou tintas e pincéis nos escombros, tentando pintar. Porém, após o raiar de um novo dia, nada se transformou.


Agora estava sem dom, sem amor, sem tecto, sem bens, se casa, sem nada.


O jovem pintor vagueou chorando e soluçando dias á fio, as suas mágoas e penas.
Só queria morrer e após caminhar exaustivamente, deixou-se cair no solo, onde mergulhou num estado febril.
Prdeu a noção do tempo.


Assim permaneceu, definhando.
Não procurou ajuda, mas também não o podia pois encontrava-se demasiado fraco.


Ali perto ouvia-se rumorejar das águas de um rio, as folhas das árvores dançavam ao sabor do vento produzindo um som fresco;
alguns pássaros trinavam nas redondezas.


Por entre os seus olhos enevoados, Alexander julgou vislumbrar umuma silhueta masculina; assemelhava-se a o rapaz de ouro e alma cristalina, contudo parecia rodeá-lo uma auréola luminosa.
O rapaz ajudou-o dedicadamente naquele momento de fraqueza e debilidade.
 Permaneceu o tempo necessário e para além da sua convalescença.
 Por fim o pintor já se encontrava restabelecido.
 Durante aquele período de tempo pouco haviam falado, mas a atmosfera entre os dois sempre fora leve e calmante.
 Porém Alexander pensara muito na sua vida e resolvera partir em peregrinação.
Como que lhe lendo os pensamentos, o rapaz perguntou:


- Acaso desejas fugir de ti mesmo?


O jovem de cabelos negros olhou-o perplexo por uns momentos.


-Preciso pensar, encontrar-me.
Porque estou vivo?
... Qual o meu lugar aqui?
 Porque nasci?
Eu só queria…


As palavras morreram-lhe na garganta.
Engoliu em seco.


- E Natalie?
... – Perguntou o rapaz suavemente.


- Natahalie está perdida para sempre!
– Os seus olhos negros encheram-se de lágrimas –
Ela já não está mais entre nós e a culpa é minha!
Nathalie está perdida para mim.
Não a mereço.
 Mas também não consigo viver com esta dor.
De ora em diante viverei só para expiar as minhas culpas e longe daqui.


E virando-se lentamente para o companheiro, acrescentou:
- Apesar de eu não merecer, sei que és especial e podes ajudar-me a concretizar esta minha decisão…


- Alimentares mágoas e culpas não te vai trazer paz interior, nem é o melhor caminho. Contudo respeito a tua decisão.
 A partir de hoje correrás mundo levando contigo o coração de ouro.
Nathalie não está perdida e o Poder Maior conceder-lhe-á
 Alma Cristalina e voltará a viver.
 Nada mais posso dizer-lhe sobre ela.
A não ser que consigas fazer a Verdadeira Reunião.

Tal como previsto o ex-pintor correu mundo.
Durante anos percorreu países onde a neve era uma constante e outros onde o estio se perlongava;
Palmilhou montes, montanhas e vales, planícies e planaltos; atravessou rios, lagos, mares e oceanos; conheceu bosques, florestas e desertos.


Ao longo dos tempos conheceu também pessoas de todos os géneros e raças e culturas, sempre sentindo o seu coração de ouro agir como um magneto nesses encontros.
 Ao início isto parecera-lhe estranho pois ele sempre fora adverso à convivência, mas com o passar dos anos e das aprendizagens, sentia-se unificado com este.


Havendo decorrido 20 anos,
 Alexander estabelecera-se há cinco anos no Oriente, num Oásis com uma povoação considerável, alojada.
Tornara-se vendedor de tecidos e trajava-se como os demais.
 Apesar do seu ofício, muitas pessoas vinham pedir-lhe conselhos e ouvi-lo falar.
 A sua fama espalhou-se por terras longínquas.
Forasteiros vinham ouvi-lo falar e pedir orientações.


Um dia ouviu-se falar de uma peregrina que teria o dom de curar as pessoas.


Essa peregrina acabou por ocupar lugar como sacerdotisa num tempo na periferia do Oásis. Porém a mesma não era bem vista pela comunidade que murmurava entre si se ela seria realmente uma curandeira ou na verdade uma maga.
 Dizia-se que os pacientes que a visitavam voltavam fascinados, principalmente os homens.



Isto causou burburinho entre o povo, especialmente nas mulheres e mães de família.
Os falatórios rápido subiram de tom.
 Alexander tentava acalmar o povo que se reunia em ajuntamentos no mercado local.
Não conhecia a dita mulher contudo sentia-se no dever de trazer a harmonia e o bom senso à população.
 Porém desta vez ninguém deu-lhe ouvidos.
As desavenças multiplicavam-se em tom crescente até que num dia em que o sol brilhava numa intensidade chamejante, o tumulto aconteceu.
Homens viraram-se contra mulheres, famílias discutiam, amigos defrontavam-se, até o caos se instalar definitivamente no mercado.
Alexander assistia a tudo estarrecido
 Os confrontos tornaram-se de tal forma incontroláveis que fizeram deflagrar um incêndio que se propagou por todo o Oásis!


Em pânico centenas de pessoas fugiam para o deserto, tentando salvar haveres e outros conterrâneos.
O terror gerado pela violência das labaredas, causara um efeito de choque, levando todos os habitantes à atitude de união.
Alexander certificou-se que todos saiam a salvo.


De repente lembrou-se da peregrina.
Estaria ainda no Templo já tomado pelas chamas?
 Correu para lá, cruzando-se com o último grupo de pessoas em fuga.
 Um dos membros desse grupo, um mendigo, ao vê-lo dirigir-se para o Templo exclamou:

-Vais salvar a mulher de Alma Cristalina?
Então tens de correr como o vento.
– Alexander esbugalhou os olhos ao som destas palavras.

Seria possível?


No interior do Tempol, já deserto, encontrou Nathalie desanimada, pegou nela e correu lesto dali.
Já fora do alcance das labaredas estacou esbaforido, ansiando que ela acordasse, insuflando ar para os seus pulmões e ela aos poucos voltou a si.


Felizes pelo reencontro conduziram o povo pelo deserto onde a certa altura depararam-se com o rapaz de coração de ouro e alma cristalina.

-Sou um Anjo.
– Revelou este –
 E venho conduzir-vos para a Nova Terra.

Todos exultaram e enquanto o anjo estendeu uma tela, pincéis e uma palete a Alexander, dizendo a este para pintar.


Então o pintor criou uma belíssima cidade como um arco-íris, cuja entrada era uma gruta. Tudo apareceu imediatamente ali no Deserto.


Extasiados e felizes,
 Todos festejaram, enquanto Alexander e Nathalie agradeciam ao anjo.
Este presenteou-os com uma bola de luz e sorrindo disse:

-Agora sim, está efectuada a fusão do coração de ouro e da alma cristalina porque vocês se reencontraram e estão prontos para se unirem como casal nesta cidade paradisíaca.
 – E dito isto voou para longe enquanto o casal
Lhe acenava de mãos dadas.


FIM

Autoria de Florbela de Castro
2011

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